Peço desculpa pelo atrazo deste comentário e por quebrar a orientação do diálogo, mas quero-me referir ainda ao post do dia 19. Aqui, no terceiro mundo, não sofremos de ansiedade mas padecemos de outros males. Por exemplo, não temos acesso à internet sempre que queremos. Eu só voltei a ter hoje. As últimas chuvas levaram os bits todos por água a baixo.
No post referido reparei nalguns comentários que se me dirigiam, que agradeço e a que não quero deixar de responder.
Knock Knock (comment 21) e Clea (comment 44)assumiam uma atitude crítica relativamente ao espírito de dúvida que acompanharia sempre o meu hipotético e tímido SIM.
Ora, e com a devida vénia para com as vossas certezas, não posso contudo deixar de lembrar que, a inteligência, universo de faculdades cujo apreço já tive oportunidade de pôr em destaque, conferindo-lhe até - à semelhança de Mrs Jones - o estatuto de afrodisíaco mais potente,tem como parente próximo, muito mais a dúvida do que a certeza. Dúvida que, não significando necessariamente indecisão - no sentido de bloquear o agir quando este se torna necessário - me parece sempre mais honesto assumir, do que mascarar de certeza para tornar possível - ou mais fácil - a decisão. E, mesmo assim, decidir.
É que, como todos sabemos, tal como de boas intenções está o inferno cheio, está também a história da ciência a transbordar de certezas ..., desmentidas no dia seguinte.
Mrs. Jones
A "sofreguidão jurídica pelo decretar", a que me refiro, assenta na minha definitiva má vontade - com o devido desconto para o "definitivo" - relativamente ao que considero uma das mais sinistras e conservadoras instituições que as sociedades produziram: o direito. Quer o secular quer o canónico.
Erasmo, em "Elogio da Loucura" referia-se aos juristas nos seguintes termos: "... Depois dos médicos, os mais estimados são os homens de leis: talvez estes sejam até em primeiro lugar. No concenso magno dos filósofos, a profissão jurídica é a mais asinina; mas são estes asnos que arbitram os menores e maiores negócios".
Mas já antes, J. Cristo - ele próprio tornado um ícone emblemático das "virtudes" da justiça - consta não ter tido também em grande conta os doutores da lei, ao enxotá-los do templo sob o epiteto de vendilhões. E foi mesmo mais longe, ao pôr em causa a legitimidade do homem para julgar: "aquele que nunca errou, que atire a primeira pedra!" - teria dito, segundo os evangelistas, ao dirigir-se à populaça que se preparava para linchar a mulher adúltera.
E, em tempos mais próximos, Kafka - ele próprio jurista e portanto sabendo do que falava - em "O Processo" deixou o seu corrosivo testemunho sobre a canalha da capa preta.
O cristianismo, a que em termos culturais - uns mais, outros menos - mas de alguma forma todos pertencemos, criou também a sua divindade à imagem de um juíz. Que julga, castiga e absolve.
E é encharcados até ao tutano neste caldo cultural, que somos nós os primeiros a reclamar a intromissão do direito, em cada acto da nossa vida,- mesmo os mais íntimos - através de uma lei, um decreto, uma portaria. Que nos tolha a Liberdade, coisa com que, no nosso estado de menoridade, não aprendemos ainda a lidar.
(Meus amigos, fazendo uso do vocabulário oficial do blog, porque não reclamar também uma "Lei de Bases da Foda" ? - naturalmente devidamente regulamentada, nos seus pormenores, através de decretos e portarias (periodicidade da foda, posições, duração do acto, técnicas permitidas e técnicas não permitidas, etc.))
O direito constitui, na sua própria essência, a mais conservadora das instituições sociais. A essência da lei reside, não principalmente na liberdade de a questionar, mas na obrigatoriedade de lhe obedecer. Por outro lado, na generalidade dos casos, legislar não passa do reconhecer de práticas consumadas. O direito não tem iniciativa nem opinião própria. A vocação do direito é ir atrás. Quando deixa de ser possível dizer NÃO passa a dizer SIM. E a defender com o mesmo zelo canino, com a qualidade de virtude, o que no dia anterior era crime. Alterando-se apenas o sentido do movimento das orelhas do juiz; - que em vez de abanarem horizontalmente ao rítmo do NÃO passam abanar verticalmente ao rítmo do SIM.
Outra das grandes virtudes da justiça é ser cega; e comprazer-se com isso. Mas não surda: que sempre o ouvido apurado e sensível ao tilintar do vil metal, lhe permitiu orientar os passos no sentido das decisões mais "justas".
E, ainda noutro sentido, - histórico - é sabido também que a justiça é sempre a do vencedor. Que, nesses casos, têm já a causa ganha antes do julgamento. Onde a defesa constitui sempre e apenas um simulacro, para conferir legitimidade ao veredícto.
Peço desculpa. Isto vai longo. Para terminar: "Pim! Pim ! Morra o direito!" - como teria dito o Almada, se em vez de ter escrito o manifesto anti-Dantas tivesse escrito o manifesto anti-direito.
Velvet: Se me permites dirigir-me,tratando-te por tu,digo-te o seguinte:-Atira-te de cabeça.Se correr mal,ca estaremos para te apoiar,eu pelo menos assim penso,repara que a dor do desgosto ja sabemos como é,sabemos que passa,mas viver sempre naquela do "e se eu tivesse..?",pá,isso não!Tem muita retorica eu sei mas dêem-me um desconto,pois esta é a primeira vez que escrevo neste blogue.Exacto a minha primeira vez... P.s.-Claro que não me posso ja considerar membro do exercito de sua alteza Sissi,mas aspiro a um dia ser armado cavaleiro :)
Nelson e Mrs. Jones, Peço desde já desculpa por me intrometer no vosso delicioso "despique" de conhecimento e cultura, e perdoem-me a minha ignorância, mas quem é esse Almada de que falam? Melhores cumps.
Esta vontade de legislar surge do facto de existir uma lei que penaliza quem faz um aborto com prisao.
Votar Sim ou votar Nao é uma decisao individual.
Ambas as posições apresentam uma grande variedade de argumentos, uns mais cientificos, outros morais ou éticos e outros economicos.
Eu apenas considero que a sociedade portuguesa, através da lei,nao deve penalizar quem nao tem recursos para se dirigir a uma clinica no estrangeiro e fazer um aborto com toda a segurança e apoio.
Isto, volto a afirmar, nao invalida que se reforce a educação da populaçao para que estas situações extremas sejam reduzidas ao máximo.
Nao gostaria que nas minhas palavras do outro dia, no comentário 44, lesse uma critica relativamente às suas duvidas.
Também nao considero que seja falta de inteligencia ter duvidas, nem menosprezo quem as tem.
Nesse comentário, como em todos os outros, procuro nao criticar as posições de ninguem, apenas tento exprimir as minhas opiniões. Se nao consegui transmitir esta forma de estar, encare como uma dificuldade de expressao, pois eu apenas estava a tentar dizer-lhe o que penso sobre o tema e o que me leva a ser pelo Sim no referendo.
Atão Sua Alteza foi de bacances... Pois que se divirta e que lhe dê forte e bonito e que dali tire todo o proveito! Velvet… a seu pedido, aqui vai mais um contributo: Se o porreiraço e sem cadilhos tá apaixonado, desfrute, sem medos. Vá-se a ele e ele que dê o litro. E acredite que não é por isso que vai ficar ceguinha (isso era pra rapaziada do meu tempo, que diziam que tocar ao bicho provocava a cegueira – é mentira! Eu vejo lindamente!).
Compreendo e até concordo com muitos dos argumentos políticos, sociais, religiosos, históricos, filosóficos, etc, que fundamentam as suas reticências (sendo reticências um eufemismo, se bem o entendi) em relação às águas inquinadas do direito, responsáveis (hoje como dantes) pela estagnação nas mais variadas áreas do tecido social.
Admito também que o meu SIM não é escudado por fortes convicções morais ou éticas, a partir das quais estou convencida que nunca chegaremos a grandes consensos - e se calhar ainda bem (não me movimento bem na área das certezas).
O meu SIM baseia-se tão-somente num desejo, provavelmente romântico (pode haver quem lhe chame autista), de alguma justiça social. Move-me a vontade de contribuir para que todas as mulheres que optam por interromper uma gravidez o possam fazer com as mesmas condições de higiene e segurança a que eu própria tenho acesso (nuestros hermanos estão mesmo aqui ao lado), caso decida fazê-lo.
E se o direito não tem iniciativa nem opinião própria e se a vocação do direito é ir atrás, então porque não usar esses vícios que não podemos mudar para alterar situações que consideramos injustas?
Também lhe digo, das suas palavras transparece uma visão tão negra da Lei e uma tão grande falta de fé na Justiça, um tal pessimismo, que nem mesmo o Almada, no mais esverdeado dos seus ataques de bílis, proclamaria. Parece mais coisa do Velho do Restelo. E depois eu é que sou da terceira idade.
Ah! E não concordo nada em legislar acerca das fodas. Nesta matéria, como afinal em quase tudo, sou a favor do livre arbítrio (já nem digo anarquia, porque preciso sempre de um bocadinho de organização).