28
Set04
TPM # 1
sissi
«Estás a dormir?...acorda...vá lá...acorda...» Como ele não acordasse, levantei-me rumo à cozinha. É sabado, são 10 da manhã e a rua está silenciosa. Os carros costumeiros deram lugar a senhoras a caminho da praça, netas pela mão, em prazeirosa conversa com a vizinha do 2º andar, que o marido foi ontem fazer um TAC e diz que estava tudo bem. Desço à garagem, pego no carro e rumo à livraria onde, sábado após sábado, me guardam as revistas e jornais vai quase para um ano. Quase há tanto tempo quanto estou naquela casa da Rua das Flores. Quase há tanto tempo quanto o João decidiu engolir a timidez e falar comigo no meio da rua. Quase há tanto tempo quanto eu, tão tímida quanto ele, decidi falar-lhe também.
Chego a casa e o João já está a pé. Olha para mim, cabelo desalinhado e barba por fazer, e lembro-me de pensar que tenho o marido mais charmoso do mundo. Saladas e sumos naturais, que eu estou sempre em dieta, seguida da leitura e escuta das últimas novidades musicais. O João é melómano até à medula, ao contrário de mim que apenas percebo daquilo que gosto muito. Entre o ver e o ouvir, há outros sentidos que se vão apurando com o passar das horas. Fazemos amor como se a nossa vida dependesse disso. Como se fosse a primeira vez e, simultaneamente, a última. Noite. Os amigos chegam. Esta semana calhou-nos a nós acolher a «família». Falamos, rimos, bebemos, fumamos...Já com o espírito enebriado de substâncias e alegrias, os amigos vão e ficamos nós. Como de início. Como sempre.