Maigret de Pato ou de como as relações podem ser um verdadeiro open space
Era apenas mais um jantar. Não fosse estar alapada no melhor sofá da casa e o dito estar rodeado de grelame, teria sido, de facto, apenas mais um jantar. Daqueles que os amigos oferecem com o intuito de reforçar o anglicismo mingle e convidar pessoas que não se conhecem para travar, justamente, conhecimento. Dizia eu que estava com o meus glúteos cada vez melhores colados a um pequeno sofá para dois que açambarquei para mim, quando parte do grelame que se juntava à minha volta, quais acólitas em preparação para a missa, se lembra de iniciar o vómito colectivo e secreto em direcção aos seus mais que tudo, sentados no lado oposto da sala. Ou seja, abrem, literalmente as hostilidades, numa contenda onde só elas marcam presença.
Que aqui d'el rey, dizia uma, o tipo só desarrumava, não era capaz de colocar um prato na máquina, que ela já nem pedia mais, um prato, por Zeus, um prato e estaria reposta a harmonia familiar, ou que não, dizia a outra, o dela era muito limpinho mas um frouxo na cama, que, tadinha, não tinha um orgasmo vai para seis meses, altura, mais ou menos, em que ele começou a trabalhar que nem um cão, que, ok, está bem, sabem bem os 3500 euros no final do mês, mas, e ela?, ela também precisa dele, e ele, bandalho, nem um orgasmo para amostra, o pécora, ah, mas vocês têm muita sorte, dizia uma terceira, que o dela está com mais 15 quilos desde o casamento, um desleixado, ainda por cima, ela não se sente ouvida, sente ignorada, a pobre, ele não a apoia em nada, não quer saber. E foi mais de meia hora nisto. Até que perguntei, estupidamente: mas...vocês já falaram sobre isso com...sei lá...os vossos namorados e marido? «Achas? Eles lá nos ouvem!», responde a chefe das carpideiras, claramente a agitadora de massas de grupo.
Ora, dado que eu estava, como disse, alapada num sofá confortável e comer um maigret de pato que era uma especialidade, e um tinto, cuja proveniência desconheço, que acompanhava muito bem, estava-me a foder o juízo ter que me levantar para me sentar num sítio onde o ar fosse limpo. Mas assim o fiz.
E qual Labrador, fomos para um canto, eu e o meu maigret de pato, ao qual se nos juntou uma sensação de dejá vú. De facto, não é a primeira vez que assisto a este número de circo. E não é que duvide dos queixumes que ouvi, mas esta lavagem de roupa suja em público, este desbotar acompanhado de relações íntimas causa-me um espanto incrível. Porque seja qual for o motivo, não vislumbro uma razão, por mais ténue que seja, de rasgar de alto abaixo a pessoa com quem vivemos, nas suas costas, e depois alegremente voltar a casa e partilhar com ela a mesma cama.
Pior, não imagino o que levará alguém a fazê-lo com o objecto de (des)amor no mesmo metro quadrado. Acho de uma falta de respeito e de solidariedade inomináveis. E não interessa se têm razão. A intimidade discute-se no íntimo. Não quero ter que olhar para a cara de pessoas que conheço e ver um homem que é porco e não arruma ou um frouxo que não sabe foder.
A sério, grelame bom do meu país. Guardem o que é de guardar. Não transformem o T2 da vossa relação num open space a céu aberto. Pelo menos não enquanto eu e o meu pato estivermos na sala.