Fundida no sofá da minha nova casa, que ainda cheira a tinta e a papel de parede, rumino sobre a importância da tecnologia nas relações amorosas. E faço um esforço de memória até aos tempos em que o telefone era apenas um meio de comunicação e não o catalisador de intenções.
É claro que a modernidade é uma coisa que tem tanto de inexorável como de incrivelmente boa, mas o seu «uso» excessivo acaba por retalhar a pureza dos actos e potenciar a cadência dos movimentos. Ainda sou do tempo em que atendíamos o telefone e ouvíamos do outro lado um «como estás?» ao invés do costumeiro «onde estás?». Parece que o advento dos telefones sem fios veio fortalecer o primado da forma sobre o conteúdo, como se fosse mais importante aferir onde nos encontramos geograficamente no mapa do que saber com qual das disposições acordámos nesse dia. Parece que o corte dos fios do telefone permitiu também um corte das pessoas, umas às outras. Porque quando alguém se interessa primordialmente em saber onde me encontro, ao invés de questionar como vou andando, faz-me pensar na verdadeira motivação do telefonema. E tempo é uma coisa valiosa que tento não desperdiçar.
E depois temos as mensagens escritas. Esse mundo onde, ao contrário do que se poderia pensar, tudo acontece. O que também é estranho, se pensarmos que os telefones existem, sobretudo, para falar. Mas o verbo foi substituído por outro, muito mais lato. Agora comunica-se, mesmo que não se fale. E não me refiro a linguagem não verbal, que nasce da convivência corpo a corpo. Falo das mensagens que se enviam a propósito e despropósito de tudo e de nada que nos permitem passar pela vida sem sensações primárias que nos causam medo e angústia. Conheço relações que se transformaram em autênticas experiências de Pavlov. Ao sinal de mensagem, há reacções, nem todas condizentes com a noção clássica de envolvimento, a típica e, pelos vistos, muito passée, que inclui homem, mulher e palavras trocadas vis-a-vis. Hoje em dia, trazemos e excluímos pessoas do nosso círculo social à velocidade de meia frustração. A nossa capacidade de contentora de aguentar uma expectativa gorada é nula (ou mais baixa, vá…) porque a facilidade de fazer amigos virtuais e tecnológicos se instalou e veio para ficar.
Sem querer ser mais papista que o Papa, até porque vos escrevo de um blog com o telemóvel ao lado, esta é uma questão que me dá que pensar. Mas para que não pensem que ensandeci, aqui vão os habituais vocábulos: grelame, machame, broche, mamas e canzana, sem nenhuma ordem especial. Qualquer dia ainda me tomam por um blog sério e isso é de evitar a todo o custo.