Holding
«Então e tu? Não pegas em ninguém?»
Foi esta pergunta lancinante que pôs termo a uma conversa banal e simpática. O meu amigo estava exultante por ter encontrado alguém de quem gostava e eivado de sentimentos nobres mandou para o espaço a questão: então e tu? Não pegas em ninguém? Pensei em várias respostas para lhe dar. Teria gostado de lhe apaziguar a culpa cristã que só uma pessoa feliz e recém-apaixonada sente. Como se fossem atingidos por qualquer coisa que os impregna de uma especialidade que gostariam de explicar e passar aos outros.
Dias depois percebo que não. Que não pego em ninguém. Pelo menos enquanto achar que o compromisso me mata, que as pessoas me enfraquecem e que a solidão me salva. Ou então, enquanto não encontrar alguém que me faça pensar o contrário.
Há coisas que se dizem (e pensam e sentem) nestas alturas em que «pegamos nas pessoas» que não condizem com a minha natureza inquisitiva. Que caralho é um «projecto de vida em comum»? Casar e ter filhos? E quem não quiser ter filhos? Que projecto é que pode ter? E quem não vir utilidade no casamento? Nem na vida sob o mesmo tecto? Que projectos de vida restam a pessoas assim?
Aos 33 a questão não me atormenta mas toca-me. Sou uma romântica com consideráveis doses de cinísmo e cristalizei no celibato. Não «pego em ninguém» porque ainda não me foi oferecido um modelo de relação que me interesse. Alguma coisa que possa crescer e viver em liberdade, assente no respeito pelas premissas estabelecidas e que perceba que it takes two to tango. O afecto, o erotismo, o sexo, a tesão são valores que a inexorabilidade do tempo se encarrega de arrefecer e apagar. O que sobra, o substracto com o qual vivemos depois, é a capacidade que temos de viver uns com os outros, sem nos odiamos de forma regular e sendo profundamente amigos.
Querido, acho que já te respondi.